Tratamento com CAR-T Cell beneficiou 15 pacientes, e Paulo Peregrino, de 61 anos, foi um deles; tratamento é desenvolvido no país
Neste mês, o publicitário e escritor Paulo Peregrino pisou em casa pela primeira vez após cinco meses. Paulo tinha um linfoma não-Hodgkin que não respondia a tratamentos convencionais. No entanto, em 24 de março, ele recebeu uma infusão de células CAR-T ou CAR-T Cell, um tratamento inovador que combate a doença com as próprias células de defesa do paciente modificadas em laboratório.
Tratamento com CAR-T Cell
O tratamento com CAR-T Cell foi muito bem-sucedido e aos 61 anos, após 13 anos de luta contra o câncer, ele está em remissão completa. Olinfoma tratado com as células CAR-T já foi o quarto câncer de Peregrino. O primeiro foi um tumor na próstata identificado em 2010. Oito anos depois, em 2018, ele descobriu o primeiro de três linfomas não-Hodgkin. Agora, ele finalmente respira aliviado e em casa.
Peregrino é um dos 15 pacientes participantes do protocolo de uso compassivo, feito de modo experimental pelo Instituto Butantan, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e o Hemocentro de Ribeirão Preto. O próximo passo é iniciar um estudo clínico no país, para que o tratamento seja aprovado pela Anvisa e possa ser oferecido pelo SUS.
Método
Até o momento, o método tem como alvo três tipos de cânceres: leucemia linfoblástica B, linfoma não Hodgkin de células B e mieloma múltiplo. Por outro lado, o protocolo contra mieloma múltiplo ainda não está disponível no país.
Vale lembrar que atualmente a medicina está cada vez mais avançada e com isso surgem novos procedimentos e também bem-sucedidos como este. É o caso do método de Indução de Proteínas de Choque Térmico, desenvolvido pelo médico brasileiro e radicado nos Estados Unidos, Marc Abreu que, recentemente, permitiu que um paciente com câncer terminal conquistasse a remissão total da doença.
Como é estar em casa novamente
A seguir, confira trechos da entrevista que Peregrino concedeu ao jornal O GLOBO. Ele conta como foi finalmente voltar para casa saudável após ter deixado Niterói (RJ), a cidade onde mora, em uma UTI móvel.
Quando foi a última vez que o senhor esteve em casa?
Eu estava fora de casa há quase cinco meses e, de Niterói, que é a cidade onde moro, há pouco mais de quatro meses. Antes de ir para São Paulo fazer o tratamento CAR-T Cell, tinha uma redução muito grave de plaquetas e fiquei internado. Então eu saí do hospital de Niterói direto para o hospital de São Paulo, em uma UTI móvel.
Como o senhor está se sentindo ao voltar para casa?
Nesse tempo me perguntavam qual era o meu maior sonho, eu sempre dizia que queria voltar para casa. Essa pergunta sempre me emocionava muito, porque era uma coisa que para mim tinha um simbolismo muito grande. Depois de passar tanto tempo internado, poder voltar para casa representava voltar para a vida, voltar para sua família, para os seus amigos, para tudo. Além disso, é uma sensação única poder voltar para casa bem e saudável depois de tantos anos. Desde que descobri meu primeiro linfoma, sempre que eu voltava de uma internação, de uma emergência ou de um procedimento, eu tinha que me preocupar com alguma coisa. Tinha vários medicamentos para tomar, tinha dor, não conseguia dormir nem andar direito e tinha várias limitações. Agora, estou saudável e pronto para retomar a minha atividade normal de lazer e de trabalho, sem maiores preocupações. A sensação é como se eu tivesse voltado no tempo, há muitos anos, quando eu não tinha câncer e voltava para casa do trabalho ou de um passeio.
Como foi o tratamento com as células CAR-T?
Eu cheguei no Hospital das Clínicas de São Paulo para receber a infusão de CAR-T cell no dia 2 de março. Mas depois de dois dias, um exame de rotina do hospital mostrou que eu estava com Covid. Eu não tinha sintomas, mas não podia receber o tratamento até ter três exames consecutivos negativos. Isso aconteceu depois de 10 dias. No dia 24 de março, eu recebi a infusão. A enfermeira trouxe uma bolsinha pequena com um líquido laranja dentro. Ali estavam os meus linfócitos T geneticamente modificados, prontos para serem infundidos. O procedimento demorou cerca de 1h e foi tão simples que me impressionou. Eu até perguntei para a enfermeira: “quer dizer uma coisa que faz 13 anos contra a qual eu estou lutando, se resolve em 1h?”.
O senhor teve algum efeito colateral do tratamento?
No dia seguinte, eu tive febre. Esse é considerado um efeito colateral normal, mas como a febre também sinaliza infecção, eu fui transferido para a UTI até estabilizar. Isso aconteceu três vezes ao longo dos 30 dias pós CAR-T Cell. Também teve um período que eu fiquei com as mãos tremendo por conta de um efeito neurológico. Eu tinha espasmos e não conseguia comer nem segurar o copo para beber algo. Eu também não conseguia me equilibrar em pé sozinho. Mas, graças a Deus, eu fui recuperando a normalidade. Eu tive todo o suporte. Além dos médicos e enfermeiros, a cada dois dias vinha a psicóloga, o que foi super importante. Eu também fazia fisioterapia diariamente e tinha acompanhamento neurológico.
Como o senhor ficou sabendo que o tratamento havia dado certo?
Um mês após a infusão, o Dr. Vanderson mandou para o grupo da minha família, através do meu irmão, a foto de um PET Scan que foi feito no dia 6 de março e outro do dia 24 de abril. São aquelas imagens que viralizaram. Até aquele momento, eu nunca tinha visto aquela primeira imagem do meu corpo tomado de tumores. Acho que era uma imagem tão chocante, que eles quiseram me poupar. O que eu considero natural, porque o médico não só tem que tentar curar o paciente, mas também levar esperança. O que iria adiantar eu saber que estava em um estado tão grave? Eu até comentei com o médico que se ele tivesse me mostrado aquela imagem antes, eu poderia não ter tido a fé e crença na ciência que eu tive.
O senhor ainda precisa fazer exames de monitoramento?
Para todos os efeitos, eu sou um paciente em tratamento. A cura é só depois de cinco de anos, então até lá eu preciso fazer hemogramas a cada duas ou três semanas e PET Scan a cada três meses.
Precisa ter algum cuidado específico em função do procedimento ou vida normal?
Nesses primeiros meses preciso ter um certo cuidado, como usar máscara n95 em ambientes fechados, evitar comer em locais públicos e comidas cruas devido ao risco de infecção. Eu também preciso fazer atividade física, mas não posso ir com muita sede ao pote. Preciso começar devagar porque perdi muita massa muscular. Mas estou me recuperando. Se Deus quiser, vou voltar a jogar vôlei em breve.
Quais são seus planos para o futuro?
Voltar para casa era o meu sonho. Ter conseguido isso, com a sensação de dever cumprido, é indescritível. Mas eu sei que ainda tenho coisas a fazer. Quando tive meu primeiro câncer, eu questionava “por que eu?”. Eu tinha 49 anos, praticava esportes, já não fumava mais há muito tempo, bebia só final de semana e era o mais novo de dez irmãos. Em 2019, a partir do meu segundo linfoma, esse pensamento mudou. Eu passei a perguntar “para quê?”. E nessa jornada de fazer quimioterapia, transplante, até chegar no CAR-T, eu descobri que esse “para quê” seria para que pudesse servir de instrumento não só para ajudar outras pessoas a terem mais esperança, como também para todos valorizarem e terem fé na ciência. E eu vejo que a minha história está conseguindo fazer isso pelas mensagens que eu recebo desde o fim de maio, quando começou toda a repercussão do meu tratamento. Também estou escrevendo meu livro sobre a minha jornada.
*Foto: Reprodução/br.freepik.com/fotos-gratis/moldura-em-forma-de-estrela-de-alto-angulo-com-fitas_5482038